Roberto Witter- Diário Popular
Piratini. Às vésperas de colher 25 mil sacas de soja – uma das maiores safras em 30 anos de atividade –, o agricultor Claudinir Strike percorre de moto os 13 km que separam uma de suas lavouras da BR-293. A cada buraco maior, desce, observa e traça uma estratégia para vencê-lo. Escoar a produção pela pequena estrada de terra é, talvez, o maior desafio dentro do processo de produção este ano.
“Aqui acho que vou ter que colocar um trator de prontidão para ajudar o caminhão a subir. Sozinho ele não consegue”, planeja o agricultor, em frente a uma ladeira íngrime e cheia de pedras soltas.
Segundo ele, há mais de um ano patrolas não passam pela estrada. A informação não causa espanto. A via com pouco mais de cinco metros de largura em alguns trechos está esburacada e cheia de pedras. Em alguns pontos, a chuva abriu valas com mais de 30 centímetros de profundidade em meio a pista.
“As estradas de hoje no nosso interior são as mesmas do tempo que surgiu o município. Não é pra andar de caminhão. É estrada para passar com carro de boi”, brada o agricultor Fredo Westermann, um dos principais líderes do setor agropecuário no município.
O problema é que os caminhões vão ser os veículos que irão rodar com mais frequência nos próximos dias, já que Piratini deve intensificar o processo de colheita da safra recorde esperada para este ano.
Só o agricultor Claudinir Strike estima que os três caminhões que serão utilizados para escoar a produção dele façam 30 viagens em meio aos corredores do segundo distrito do município. Seis viagens por dia. O trajeto mais curto, de 13 quilômetros, foi o que percorremos. Mas para chegar a outra propriedade, a distância sobe para 23 quilômetros. Fora ele, mais de 10 outros produtores repetirão a saga de transportar a oleaginosa das lavouras até as unidades de recebimento de grãos da região. A dificuldade em trafegar faz com que o tempo das viagens quase duplique.
“Em épocas que a estrada estava melhor, os caminhões faziam este trajeto maior em 40 minutos. Agora, leva uma hora e 20 minutos, ou mais”, conta.
Sem respostas
Durante três dias a reportagem tentou localizar o secretário de Infraestrutura e Logística de Piratini, mas ele não foi encontrado. Contatos telefônicos foram feitos e a equipe esteve na sede da prefeitura. Outros secretários também foram procurados por telefone, mas não atenderam as ligações.
O progresso do asfalto ainda não chegou a Pedras Altas
Uma das únicas cidades da região sem acesso asfáltico, Pedras Altas convive há anos com a esperança de viver longe dos buracos. O que, ao que parece, está longe de ocorrer.
A obra de pavimentação da RS-608 perdura há anos. Até agora, sequer um pingo de asfalto foi derramado na estrada. A obra mais visível até o momento foi a modificação no traçado de algumas curvas, para encurtar distâncias e diminuir o custo da operação.
Enquanto isso, motoristas convivem diariamente com o martírio que é percorrer os pouco mais de 30 quilômetros que separam Pedras Altas de seu antigo município sede, Pinheiro Machado.
“São mais de 10 anos de promessa de asfalto, mas até agora nada. De caminhão, hoje levo uma hora. Mas houve períodos em que a viagem demorava uma hora e quarenta minutos”, recorda Delmar Krüger. Há 20 anos ele e o pai viajam de Pelotas até Pedras Altas para comercializar frutas e legumes, em uma feira montada na carroceria de um caminhão.
“A velocidade máxima que a gente consegue andar é 40 por hora, em alguns trechos mais largos da estrada. A maior parte do tempo é devagar, pra evitar gastar muito com manutenção do caminhão”, conta.
A suspensão dos automóveis sofre. Segundo o empresário Flávio da Rosa, não é qualquer carro que aguenta o tranco, “só jipe, kombi e fusca, e olhe lá!”.
“Arrebenta amortecedor, mola, e tudo mais. Vive dando problema na parte de baixo dos carros. A manutenção tem que ser contínua. E volta e meia se encontra pedaços de para-choque e de escapamento na estrada”, acrescenta Flávio, que fala com propriedade do assunto, já que possui cinco kombis e três ônibus que transportam passageiros pela região em viagens fretadas.
O Governo do Estado diz:
Segundo o Departamento Autônomo de Estradas e Rodagem (Daer), a obra de pavimentação da RS-608 teve início no ano de 1998. Depois, teria sido paralisada e retomada somente em 2010. O prazo atual para conclusão é junho de 2013, mas será prorrogado. O atraso ocorreu devido a problemas de licenciamento da obra. Segundo o Daer, já estão sendo iniciados os trabalhos de pavimentação nos trechos já terraplenados. A obra deve custar aproximadamente R$ 22 milhões aos cofres do Estado e o novo prazo para conclusão não foi informado.
A culpa é da burocracia, diz secretário Mainardi
A frente de uma das pastas mais envolvidas no assunto, o secretário de Agricultura Luiz Fernando Mainardi culpa a burocracia pelos problemas de logística rural, e alerta: o campo está a beira de um colapso, caso medidas não sejam tomadas.
“A ideia surge em uma sala de forma maravilhosa. Sai da sala de projetos ainda melhor. O problema são os corredores que a proposta precisa ultrapassar antes de ser executada. Cada medida percorre um número infinito de salas e gabinetes”, exemplifica o secretário.
Para Mainardi, a velocidade com que o agronegócio cresce no Brasil não é acompanhada pelas obras de infraestrutura. O problema acaba estourando na conta dos produtores, estimulados a investir em tecnologia para o aumento da produtividade, mas injustiçados quando o assunto são as contrapartidas do governo.
“Precisamos desobstruir os caminhos que levam a melhorias de estradas, portos e aeroportos. Tem de haver uma solução legal, transparente, que substitua a atual burocracia e agilize os processos. Uma licença ambiental, por exemplo, pode atrasar um ano, dois anos. Não pode acontecer. O grande adversário que temos é a estrutura estatal que se alimenta da burocracia”, afirma.
O problema é nacional
O colapso na logística rural não é “privilégio” gaúcho. A falta de estradas em boas condições é o principal problema dos agricultores da região Centro-Oeste, maior produtora de grãos do país. As possíveis soluções também são alvos frequentes de seminários e debates do setor. Muitas ideias, poucas ações.
Esta semana a desorganização pode ter penalizado o país. Uma trading da China, principal país comprador de soja no mundo, cancelou a importação de 2 milhões de toneladas de oleaginosa devido ao atraso na liberação de navios no porto. Dos 12 navios com soja encomendada, dez não chegaram ao país asiático.
A medida soa como estratégia dos matreiros chineses para revisar preços. Mas não pode ser desconsiderada. A demora nos portos existe, e beira o absurdo. Em Paranaguá, as embarcações chegam a ficar 60 dias atracadas até que o carregamento seja finalizado. E cada dia de navio parado gera um custo que varia entre 20 e 30 mil dólares.
Porto de Rio Grande sem filas
No quesito portuário o Rio Grande do Sul leva ligeira vantagem pela proximidade entre as lavouras e os terminais graneleiros de Rio Grande. Os quatro ramais são operados por empresas privadas (Termasa, Tergrasa, Bunge e Bianchini), que tem expertise no processo de embarque de soja e trabalham com eficientes mecanismos de agendamento via internet. Segundo o diretor do complexo Termasa-Tergrasa, Guillermo Dawson, o sistema, em funcionamento desde 2007, garante que 1,2 mil caminhões descarreguem a oleaginosa por dua nos terminais, com apenas algumas horas de espera.
“Os quatro ramais do complexo portuário possuem capacidade para carregar um navio de 60 mil toneladas em até 48 horas. O terminal da Tergrasa tem um sistema que faz o trabalho ainda mais rápido, podendo levar apenas 20 horas”, explica, Dawson.
Rio Grande como alternativa para Paranaguá
O porto de Rio Grande já serve como alternativa para o apagão logístico de Paranaguá. Há pouco mais de uma semana, um navio com 60 mil toneladas de soja produzida no Paraná desceu até Rio Grande para ser embarcado nos terminais gaúchos.
Anualmente, o Porto de Rio Grande também é alternativa para o escoamento das safras uruguaia e paraguaia.
Segundo Dawson, a partir desta semana a soja cultivada no noroeste do Estado já começa a descer até o sul do Estado, já que o processo de colheita já ocorre nas regiões produtoras.
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