terça-feira, 24 de setembro de 2013

Compras de material na mira do Ministério

Michel Ferreira- Diário Popular
Fotos: Jõ Folha DP

A compra de material de construção durante três anos, sem licitação, virou ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público (MP), na última quinta-feira, contra a prefeitura. O valor de R$ 185,3 mil, fragmentado em várias aquisições ao longo de 2009, 2010 e 2011, nem sempre extrapolava a faixa de R$ 8 mil - quando o processo passa a ser obrigatório -, mas a repetição de pequenas compras foi encarada como estratégia para burlar a legislação - explica a promotora Cristiana Chatkin. Com um detalhe: a loja de onde os produtos eram adquiridos era administrada pelo irmão do prefeito, José Fernando da Silva Gomes, também réu na ação.
"O fato de os materiais estarem sempre sendo comprados revela que não há emergência. Se existisse, teria que ter dispensa de licitação", ressaltou Cristiana, antes de sair em férias, na véspera do feriado Farroupilha. Na segunda-feira (23) à tarde, depois de tentar contato com o prefeito Vilso Agnelo da Silva Gomes (PSDB) por três dias, veio a confirmação, através de um dos assessores: o chefe do Executivo só irá se manifestar sobre o caso após ser notificado oficialmente pela Justiça.
Por volta das 15h, o Diário Popular conseguiu falar com Letícia Amaral de Moraes, ex-secretária de Finanças e ré na ação. De forma sucinta, a servidora de Piratini fez duas ressalvas. Primeiro alertou que a Central Telefônica poderia sair do ar, já que o expediente chegava ao final. Na sequência, confirmou ter sido secretária - pela segunda vez - entre setembro de 2009 e junho de 2011. "Não vou falar nada no ar, assim, sem algo mais concreto. Quando for notificada e tiver algo a dizer, procuro vocês", confirmou a contadora, funcionária pública desde 2006. Ao ingressar na prefeitura, em 2001, Letícia era Cargo em Comissão (CC).
O irmão do prefeito também foi procurado pela reportagem, em sua residência, na rua Padre Anchieta, em Pelotas, no final da tarde. José Fernando estaria atrapalhado e, como sairia em seguida, não pôde se pronunciar. Foi o recado repassado ao DP. Em novas tentativas por telefone, até o fechamento desta edição, ele não foi encontrado. Informações extraoficiais apontam que o estabelecimento Farroupilha Materiais não funciona mais.
Confira o valor das compras
2009: R$ 61.047,07
2010: R$ 75.001,62
2011: R$ 49.282,49 
(*) As mercadorias adquiridas eram as mais variadas, como cimento, cal, areia, porta, prego, fechadura, pá e colher de pedreiro.
Confira o andamento de outros casos
Inquéritos
* Aquisição e distribuição de oxigênio
Até a manhã de segunda, a prefeitura ainda não havia apresentado defesa à suspeita de fraude na compra de oxigênio desde o ano de 2009. Na quinta-feira, o MP reiterou o pedido, já que o prazo se encerrou em 10 de setembro.

Ao receber o Diário Popular no dia 11 deste mês, o prefeito Vilso Gomes admitiu que a aquisição na modalidade de Convite teria ocorrido devido a dois processos licitatórios que teriam acabado desertos. Sem interessados. "Se erramos de alguma maneira, foi para não deixar de atender". O secretário de Saúde, Diego Espíndola de Ávila, que o acompanhava na entrevista, acrescentou: "Prefiro errar e ser condenado e comprar direto do que deixar a comunidade desassistida", afirmou, ao explicar que 14 pacientes seriam beneficiários do programa Oxigenoterapia Domiciliar atualmente.
Os dois também sustentaram que uma terceira licitação seria aberta para tentar regularizar as compras, mas quando solicitado pela equipe de reportagem, não apresentaram os editais anteriores nem o novo. "No momento oportuno mostraremos", garantiu o tucano, reeleito no ano passado. 
O inquérito civil aberto pelo MP, em 12 de julho, aponta que uma mesma empresa de Canguçu, forjada por dois Cadastros Nacionais de Pessoa Jurídica (CNPJs), teria ajudado a mascarar a licitação já que, na prática, os dois donos - e parentes - representariam a mesma empresa. "Temos que verificar se não houve um direcionamento", explicou, no início do mês, a promotora.
Ao comentar o porquê de o negócio ter sido fechado com Canguçu, o prefeito usou dois argumentos: seria o único estabelecimento da região a oferecer o produto e o melhor preço. "Por isso, entendemos que não houve prejuízo aos cofres públicos". Cristiana Chatkin também investiga o serviço de distribuição de oxigênio à comunidade, já que informações indicam que famílias assinaram recibos com quantidades maiores do que as, de fato, recebiam. Vilso Gomes nega a suspeita e garante que o carinho com que trata os pacientes internados no Hospital de Caridade Nossa Senhora da Conceição, em visitas à instituição, seria uma das soluções à crise na saúde pública do Estado e do país. Bastaria os demais gestores fazerem o mesmo.
* Combustíveis
Segunda, a Promotoria ainda aguardava informações sobre os gastos de mais de R$ 1,9 milhão com combustíveis e lubrificantes automotivos ao longo de 2012. O MP reiterou o pedido na quinta-feira, já que o prazo aos esclarecimentos também expirou. Ao comentar o inquérito civil, aberto em 30 de agosto, o prefeito garantiu que o abastecimento é realizado por licitação e que os 6.176 quilômetros percorridos, em média, por dia pelos 96 veículos pertencentes à frota do município justificariam os custos altos.
"O repasse do governo federal não é suficiente para suprir os gastos e, como não vamos deixar de atender à comunidade, iremos continuar percorrendo e fazendo esse serviço", defendeu e fez questão de enfatizar a larga área territorial de Piratini: 3.561,5 quilômetros quadrados.
Para verificar a denúncia, a promotora já solicitou que a despesa vire objeto de auditoria do Tribunal de Contas do Estado (TCE) ainda em 2013.
E a CPI?
Segunda, à tarde, ocorreria a primeira saída de campo da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura o paradeiro de peças de 27 veículos que iriam a leilão em Piratini. Os dois pontos vistoriados seriam as Secretarias de Educação e de Urbanismo e Serviços Públicos. "Este é o nosso primeiro giro. Na próxima segunda-feira devemos ir às Secretarias de Saúde e de Infraestrutura e Logística", adiantou o presidente da CPI e líder do governo, Gilson Silveira Gomes (PP). O almoxarifado da prefeitura e a área da Escola Agrícola - onde a maioria dos veículos está estacionada - também devem compor o roteiro.
A partir do mês de outubro deve começar a fase de depoimentos. O vereador Marcial Guastucci (PMDB), um dos proponentes da CPI, queixa-se de obstrução dos trabalhos. "Como além do presidente, o relator Sérgio de Castro (PDT) também é da base do governo, sou minoria nas votações", reclamou. "Sempre vou perder".
- O que diz o prefeito?
Ao comentar a formação da CPI, o chefe do Executivo repetiu a frase mais pronunciada durante a entrevista em seu gabinete. "Isso está ocorrendo porque esta é uma ferida que não cicatriza desde o ano 2000", provocou, ao se referir aos peemedebistas que não conseguiram retornar ao poder. A última vitória foi em 1996, com Paulo Jesus Borges. "É uma ferida que dói e sangra, mas eles deveriam pensar no município, em melhorar a qualidade de vida das pessoas". Ao ser questionado, entretanto, sobre a localização das peças, alvo principal da CPI, Vilso Gomes repetiu: "No momento oportuno todas as coisas vão ser mostradas e esclarecidas".
Relembre
Em 17 de maio, a Câmara de Vereadores recebeu projeto da prefeitura, com solicitação para realizar leilão de 27 veículos e de sucatas diversas, como monitores, impressoras, aparelhos de ar-condicionado e cadeiras escolares, avaliados em R$ 116,4 mil. A apresentação de laudo técnico, assinado por engenheiro mecânico contratado por R$ 10,8 mil, esmiuçou as condições da frota e revelou a ausência de várias peças. Em pelo menos nove veículos não havia motor nem caixa de transmissão. Isso sem falar em vários casos em que os motores estavam incompletos ou sem funcionamento.
Em 16 de julho o prefeito chegou a solicitar a retirada do projeto de lei que propunha o leilão, sob o argumento de que novas avaliações de bens e objetos inservíveis seriam providenciadas para incluir na venda. Não foi o suficiente para evitar a instauração de CPI.

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